Reproduzo aqui o pronunciamento insuspeito de Luiz Henrique Zanini, da Vinícola Vallontano, sobre as tentadas salvaguardas.Total apoio as suas palavras.
O
pronunciamento de Zanini
Luiz Henrique Zanini é enólogo e proprietário da
Vallontano, pequena vinícola gaúcha. Durante um evento que reuniu as pequenas empresas produtoras, no
Restaurante Aprazivel no Rio de Janeiro, fez um pronunciamento, contra as
salvaguardas, que merece ser compartilhado. Vamos a ele.
“ É com imensa alegria que iniciamos este encontro.
Hoje é um dia de júbilo inebriante, um dia de celebração. Estamos aqui para
resistir a tentativa de genocído da diversidade do vinho no Brasil. Estamos
aqui para resistir ao fim da pluralidade, estamos aqui para dizer a verdade, a
nossa verdade,a única verdade.
Estamos aqui porque não queremos ser engolidos pelo
monstro da economia de escala. Estamos aqui para defender os vinhos
brasileiros, e sobretudo para debater a tentativa perversa de privilegiar
apenas a grande indústria de vinhos no Brasil em detrimento da artesania.
O Aprazível, já foi palco de outras batalhas e
novamente abre suas portas para um momento importante e histórico, e sem
precedentes para os rumos da vitivinicultura no Brasil. O Aprazível é para nós,
pequenos produtores brasileiros, o fórum legítimo para discutir a
vitivinicultura brasileira. O palco perfeito para quem não tem vez e voz em sua
própria terra.
É o púlpito para ressonarmos nosso descontentamento
com as políticas impostas pelo setor, e por todas as entidades que apóiam o
Selo Fiscal e a Salvaguarda. Falam em patriotismo, falam em brasilidade, falam
em responsabilidade, falam em abrir a cabeça, falam em erguer a taça, falam em
dizer sim.
Mas também nos acusam de boicotadores, de traidores
do vinho brasileiro. Pois bem, gostaria de questionar quem são os traidores de
fato. Será que nos venderíamos por 30 moedas? Será que teríamos todo este poder
que agora nos imputam? Se não, vejamos: quem boicotou as mais de 400 vinícolas
que foram contra o Selo Fiscal?
Quem boicotou os cidadãos que firmaram de próprio
punho, através de abaixo assinado, esta contrariedade? Quem boicotou o pequeno
produtor ao pedir que derrubassem a normativa que isentava o Selo fiscal para
vinícolas que produzissem até 20.000 litros de vinho? Quem está boicotando a
discussão sobre o sistema tributário Simples para as pequenas vinícolas?
Quem boicotou as vinícolas familiares que foram
fechadas por não respeitarem a impraticável normativa IN 05 (normativa esta que
impossibilita qualquer agricultor de fazer vinho em sua própria propriedade?)
Quem boicota os pequenos agricultores e os trata como verdadeiros criminosos
por fazerem vinho para seu próprio consumo? Quem são os boicotadores do vinho
brasileiro?
Acusam indiscriminadamente os pequenos produtores,
por estarem ligados a esta ou aquela importadora, acusam pequenos produtores
por serem desta ou daquela etnia, acusam os pequenos produtores de serem deste
ou daquele estado,acusam os pequenos produtores de estarem promovendo o cáos.
Acusam os pequenos produtores de serem
manipuladores de informações. Assim assistimos perplexos a tudo isto, a falta
de elegância destas pessoas que estão botando abaixo a imagem do vinho
brasileiro,.
Prezados cidadãos e cidadãs, o marketing não
esconde atos fascistas, o marketing não limpa a alma, o marketing não forja
caráter, o marketing não faz vinho! Mas querem reverter através dele a
insanidade que foi o pedido de Salvaguarda. Ora vejamos sobre a luz da razão
esta abominação, Quem pediu a Salvaguarda para os vinhos brasileiros?
Segundo um renomado enólogo e produtor de vinho
brasileiro, foram as entidades “representativas” do Setor que pediram a
Salvaguarda, mais ninguém. E quem são estas entidades? De que elas são
formadas? De que matéria? De seres inanimados? De biomas desconhecidos? De
lontras, leões marinhos, salames, porcos, raposas? Quem são seus dirigentes?
Será que estas entidades abririam suas atas
publicamente para termos acesso a estas votações? Tanto do Selo Fiscal quanto
da Salvaguarda? Ou elas não existem? De onde surgiram estas idéias? Da caixa de
pandora? Onde estas idéias foram debatidas? Quando, como e com quem? Estas atas
não apareceram e nem vão aparecer, porque apenas poucas vinícolas decidem por
centenas de produtores.
Fácil agora recorrer a cortina obscura das
“entidades representativas” do setor, para safarem-se do imbrólio. Disseram
também que a Salvaguarda é um ato social, pois dela dependem 20.000 famílias.
Gostaria de saber se as 20.000 famílias sabem das contrapartidas da
Salvaguarda? Para que o governo adote as medidas protecionistas o setor se
compromete a implementar diversas medidas compensatórias.
Vejamos algumas delas: “a implantação de 1.500 ha
de vinhedos em áreas fora das áreas tradicionais”, quem sabe propomos as 20.000
famílias serem os novos pedestres do mar vermelho protagonizando mais um êxodo
na história? Quem tem mais condições de implantar estes 1.500 hectares?
Outro exemplo, será a diminuição de até 15% do
custo de produção da matéria-prima e redução em 35% com relação a regiões
tradicionais, onde hoje habitam estas 20.000 familias. Além disso, teremos que
aumentar 37% a produtividade dos nossos vinhedos, ou seja, teremos que piorar a
qualidade de nossa uva? Isto é insano! E pasmem, a Salvaguarda incentiva fusões
de empresas para ganho de escala, e pretendem investir do 3º ao 8º ano, 40
milhões de reais em promoção “coletiva”.
Quem pagará esta conta? Para quem está sendo
direcionada esta “coletividade”? É revoltante saber que nos últimos anos as
grandes coorporações conseguiram tudo do IBRAVIN, e este mesmo instituto não
apresentou um único plano para melhorar a competitividade das vinícolas
familiares.
Ao contrário, nos presenteou com o burocrático e
ineficaz Selo Fiscal. Não apresentou uma única proposta para financiar pequenos
produtores e incentivar a vitivincultura familiar, ao contrário está exigindo
cursos de qualificação para o implantação de uma normativa utópica e
impraticável para os colonos, a IN05.
Não há um único projeto para vinhos artesanais no
país, ao contrário puniu os agricultores que elaboravam vinhos em suas
propriedades. Novamente pergunto quem está sofrendo o boicote durante anos?
Quem são os boicotadores. A grande indústria
brasileira usa a ardilosa estratégia de se colocar como vítima. Queremos saber
quem está de fato boicotando o vinho brasileiro? Meus caros, por isto estamos
aqui, para dar nossa resposta de forma elegante e prazerosa, ao evento que
simultaneamente acontece neste exato momento em outro local promovido pelos
defensores do Selo Fiscal, da Salvaguardas e das Normativas, que servem apenas
de instrumentos de defesa, numa vergonhosa e escancarada tentativa de reserva
de mercado.
Se fizeram dívidas e dimensionaram mal o seu
mercado e suas expansões agora que paguem! E não dividam sua dívida com o
setor, se fosse assim, também gostaríamos que o governo pagasse nossos Proger e
Prodefrutas. Mas ao invés da choradeira estamos aqui, no verdadeiro campo de
batalha “o mercado” tentando vender nossos vinhos sem nenhuma salvaguarda, sem
recorrermos ao “tapetão”!
Não poderia deixar de fazer referência a um grande
homem de coragem, e proprietário do restaurante que possui a melhor carta de
vinho do Brasil, Pedro Hermeto. Parabéns pela coragem, pela determinação e
entendimento.
O Aprazível foi e sempre será a grande referência
para o vinho brasileiro. Também agradeço a todos que se empenharam nesta luta
de defesa do pequeno produtor brasileiro.
Certamente o sacrifício e o sudário impressos em
nossos dias, não nos roubaram a dignidade, nem execraram de nós a
sensibilidade; ao contrário, nossas gárgulas inundaram as nossas vidas de
alegria e serenidade. O vinho imaculado corre em nossas veias como o Vesúvio em
seus tempos de glória! Somos parte de um mesmo corpo, amantes de um mesmo amor,
fugitivos de guerra procurando a paz.
Como homens e mulheres de um novo tempo, temos
somente um dever: procurar a verdade. Que ela nos guie e nos liberte, que ela
nos desvende outros caminhos além daqueles indicados por outros, que ela nos
esclareça e nos dê essência. Sigamos então a verdade da luz da lua numa noite
de verão, bebamos um vinho autêntico com nosso melhor amigo, sejamos um pouco o
corpo do Criador, sejamos os ramos da videira a frutificar pela eternidade,
sejamos odres novos para o vinho novo.
Cantemos os salmos da vida, festejemos o Cântico
dos Cânticos, sempre e sempre. Façamos do vinho o nosso filho unigênito,
respeitando suas nuances e suas estações, façamos dele nossa vida, como nossos
sonhos, outrora verdadeiros, como o mar calmo depois do verão.
Que os sonhos de cada um que se encontra hoje aqui,
se tornem uma vinha fértil, que nossos braços sejam como os ramos e
frutifiquem, que as nossas mãos toquem com delicadeza e carinho nossa colheita,
e que nossos olhos habitem o infinito para sentirmos então todos os aromas
indescritíveis, jamais sonhados, degustando a paz, e encontrando a vida plena.
No vinho a luz, no vinho a vida, no vinho o escárnio, a ousadia, no
vinho o corpo, o sopro, a luz…
No vinho o mar,
No vinho o amor, o amor, o amor.
Assim seja!”
No vinho o mar,
No vinho o amor, o amor, o amor.
Assim seja!”
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